Especialista analisa decisões – 16/02/2023
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do STJ)
Especialista analisa decisões – A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ determinou, nesta semana, que um recém-nascido seja devolvido à mãe após o juízo de primeiro grau decretar que ele fosse encaminhado para casa de acolhimento. Para o colegiado, o deferimento da tutela de urgência para ordenar busca e apreensão do bebê, anterior ao seu nascimento, foi prematuro e não obedeceu a preceitos legais.
Na origem do caso, o Ministério Público de Santa Catarina – MPSC ajuizou ação de destituição do poder familiar, cumulada com pedido de medida protetiva de acolhimento institucional, contra uma mulher grávida e a favor dos interesses do bebê ainda não nascido. Segundo o órgão ministerial, a gestante pretendia entregá-lo a uma prima e à sua companheira para adoção, sem respeitar a ordem dos candidatos registrados no cadastro de adotantes.
Foi deferida a tutela de urgência para determinar a busca e apreensão do bebê assim que nascesse, ainda no hospital, com a suspensão do poder familiar da mãe e a proibição de contato entre ela e a criança. A medida também concedeu, excepcionalmente, a guarda do recém-nascido ao primeiro casal habilitado na fila de adoção. Logo depois do parto, a criança foi encaminhada à instituição de acolhimento. A mãe alega que, posteriormente a esses fatos, conseguiu emprego e decidiu cuidar do filho.
Por Guilherme Gomes
O relator do caso no STJ, ministro Marco Aurélio Bellizze, observou que, nos termos do artigo 19-A do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, a mãe pode manifestar o desejo de entregar seu filho para adoção antes mesmo do parto. Para o ministro, se é garantido à genitora o direito de manifestar sua intenção de entregar o filho à adoção, não se mostra aceitável que o Poder Judiciário, em tutela de urgência, em cognição sumária, determine a retirada do recém-nascido do acolhimento materno, nos momentos seguintes ao parto.
Encaminhamento imediato de crianças venezuelanas para adoção é anulada
Também nesta semana, o STJ concedeu habeas corpus para permitir que um casal venezuelano visite seus filhos em uma instituição de acolhimento. A decisão suspende os efeitos de uma sentença no ponto em que determinava o encaminhamento imediato das crianças para adoção.
A ação de destituição do poder familiar cumulada com acolhimento institucional dos dois filhos de um casal de imigrantes venezuelanos também foi ajuizada pelo MPSC. O órgão indicou que, apesar do acompanhamento dos serviços da rede de proteção, havia sinais de agressividade e de negligência em relação às crianças.
Após a realização de estudos por equipe profissional multidisciplinar, o juízo de primeiro grau julgou procedente a ação para destituir o casal do poder familiar e ordenar o acolhimento institucional das crianças.
Antes de decidir sobre a apelação dos pais, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC considerou que as provas não eram suficientes, sobretudo em razão do tempo decorrido desde o parecer da equipe multidisciplinar, e determinou a verificação das atuais condições de vida dos interessados.
A Defensoria Pública de Santa Catarina impetrou habeas corpus no STJ, apontando a ilegalidade do encaminhamento dos menores para adoção. Afirmou que o novo estudo social não tem prazo para ser concluído e que os pais já estão há sete meses sem visitar as crianças na instituição onde elas se encontram.
Para o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do habeas corpus, o Tribunal estadual, mesmo reconhecendo a necessidade de complementação de provas, permitiu o cumprimento da sentença quanto ao imediato encaminhamento das crianças para uma família substituta.
Para o ministro, esse comando da sentença não contribui para a segurança jurídica nem para os interesses prioritários das crianças, pois a sua inserção imediata em processo de adoção é capaz de levar à criação de vínculos afetivos com terceiros, os quais poderão ser rompidos a qualquer tempo, tendo em vista a precariedade da decisão de primeiro grau, ainda sujeita à apreciação do TJSC.
Advogada aponta que decisões são bastante particulares
Presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a advogada Silvana do Monte Moreira afirma que as duas decisões apresentam particularidades importantes. Enquanto a primeira diz respeito à adoção consensual, que não tem vedação em lei, a segunda traz no seu bojo a questão migratória.
Em relação à decisão que determinou o encaminhamento do bebê para a mãe, ela recorre aos artigos 45 e 166 do ECA, os quais “têm previsão acerca da concordância dos genitores com a adoção”.
“Após o advento da Lei 12.010/2009, a adoção consentida passou a ser uma grande dúvida jurídica, sendo aceita em alguns juízos e em outros não. A fundamentação para sua não aceitação tem base em suposto conflito com relação à interpretação literal do parágrafo 13, do art. 50, em cotejamento com o artigo 166, visto que a interpretação de tal parágrafo, perfunctoriamente, induz a um pseudoentendimento de revogação do art. 166 do ECA”, afirma.
“Entendemos, contudo, assim como vários outros operadores do Direito, que se o legislador tivesse a intenção de revogar tal artigo o teria feito e não o manteria na mesma lei. Não se trata de erro material, o artigo 166 subsiste e é claro no que determina, por meio da inclusão, pela própria Lei n. 12.010/2009, dos §§ de 1º ao 7º, vez que o objetivo dos parágrafos, de conformidade com a hermenêutica jurídica, é o de dar especificidade à matéria de que trata o caput”, ela acrescenta.
Sendo assim, entende-se que a adoção consentida é juridicamente possível, desde que realizada por pessoas previamente habilitadas.
“Não mascaramos os problemas que podem ser enfrentados em tal tipo de adoção, também denominada adoção direta, sendo que o maior deles está centrado na efetiva possibilidade de as crianças serem entregues a pessoas com as quais a família biológica não tenha qualquer vínculo, ou que sejam entregues por motivos escusos ou, ainda, que sejam entregues a pessoas não habilitadas. Acreditamos que o maior risco esteja, inclusive, na entrega dos filhos a pessoas não preparadas para a adoção”, pontua.
Pessoas não habilitadas
A advogada aponta que a realidade em que pessoas não habilitadas recebem crianças diretamente da família biológica é bastante comum, principalmente em pequenas cidades. “Ao final, o juízo, após anos de convivência e do vínculo afetivo solidificado, obriga-se a ratificar uma situação já consolidada de fato, principalmente da filiação socioafetiva.”
“No caso em comento, a adoção seria realizada por uma prima da gestante, configurando adoção intrafamiliar devidamente prevista no artigo 50, parágrafo 13, Inciso II, não havendo, portanto, qualquer ilegalidade nesse sentido”, ela acrescenta.
Em comentário à segunda decisão, Silvana avalia que a questão migratória é de suma importância para entender o contexto de vulnerabilidade das famílias que cruzam as fronteiras com seus filhos, a grande maioria sem documentos.
“É preciso verificar se os pais estão descumprindo as obrigações inerentes ao exercício do poder familiar, se praticam maus-tratos, abusos, se são negligentes ou deixam a prole em abandono. É preciso ver além, pois a situação envolve a necessidade de políticas públicas para acolher essa população vulnerável, de forma que possam, efetivamente, cuidar de seus filhos”, aponta.
Para mais notícias clique aqui
Conheça o site – www.direitoparamuher.com.br