Publicada no final de abril, a Resolução 556/2024 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ amplia o direito à licenças maternidade e paternidade para pais ou mães, genitores monoparentais, e casais em união estável homoafetiva. O texto considera, entre outros pontos, o julgamento conjunto da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132, no qual foi reconhecida, por unanimidade, a união homoafetiva como entidade familiar.
O documento altera a redação da Resolução 321/2020 para assegurar a pais ou mães, genitores monoparentais, e casais em união estável homoafetiva, o direito a usufruírem das licenças maternidade e paternidade. Também altera a Resolução 343/2020 para ampliar as hipóteses de concessão de condições especiais de trabalho.
Para a advogada Ana Carla Harmatiuk Matos, diretora nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, é importante considerar o contexto da publicação. “O Conselho Nacional de Justiça se configura como instituição pública que visa aperfeiçoar o trabalho do sistema judiciário brasileiro, dessa forma, as resoluções são instrumentos regulatórios próprios do CNJ no cumprimento das leis, para exercitar seus atos e fatos de gestão.”
No entendimento da advogada, a novidade “reflete uma constante luta no âmbito do Direito das Famílias para se superar a divisão de funções familiares pautadas no gênero, a qual reduz a mulher aos cuidados do lar e relativos aos filhos, que tem sido reconhecida de forma progressiva”.
“A resolução também recepciona as lutas da população LGBTQIA+, que pleiteia fortemente por seus direitos e garantias no âmbito social, de forma a isso se estender às dinâmicas familiares, cuja regulação pelo direito deve se dar de forma atenta às transformações sociais contemporâneas e à ADPF 132”, acrescenta.
Na visão de Ana Carla Harmatiuk, o texto “manifesta a perspectiva de cuidados com o novo ser, de forma que em diferentes composições familiares se assegura a concessão das licenças, de forma a permitir o cuidado e atenção necessários no estágio inicial da vida e de desenvolvimento da personalidade de crianças e adolescentes”.
Ela vê a resolução como um avanço na recepção das diferentes composições familiares pelo Direito. “Já superada a dimensão de família tradicional, novas entidades familiares cada vez mais têm seus direitos garantidos, proporcionando a estas a igualdade devida”.
“Trata-se de avanço na questão de gênero dentro do Direito das Famílias, bem como na dimensão da recepção das plurais entidades familiares presentes na sociedade brasileira. Além disso, é assegurada a doutrina do superior interesse das crianças e adolescentes”, conclui.
Contemporaneidade
A nova disposição do CNJ, segundo a advogada, reflete uma virada contemporânea no Direito das Famílias, “fortemente debatida no âmbito acadêmico e acerca da qual diversas(os) advogadas(os) têm litigado de forma militante em suas atuações profissionais”.
“Trata-se da passagem de uma perspectiva biologicista, marcada pelo heteropatriarcado, na qual a divisão dos afazeres e responsabilidades familiares se dava em razão do sexo, cabendo, portanto, à mulher os atos de cuidado no núcleo familiar; para um viés culturalista, no qual supera-se essa distinção de atribuições baseada na questão sexual, e se passa a compreender que as obrigações familiares podem ser exercidas por qualquer um dos integrantes da família”, aponta.
De acordo com a advogada, com as transformações sociais e alteração das dinâmicas familiares mais recentes, como pessoas LGBTQIA+ adotando ou tendo filhos, de forma a serem estabelecidos vínculos e/ou socioafetivos reconhecidos com a criança de forma documental, surge o desafio para o direito de conferir a essas famílias um patamar igualitário às demais composições familiares.
“Em outras palavras, a um núcleo familiar no qual os pais são pessoas LGBTQIA+, sendo um deles pai biológico e outro socioafetivo – bem como pode ser o caso de uma das mães ser biológica e a outra socioafetiva –, ou ambos são socioafetivos, como nos casos de adoção, busca-se garantir igualdade no que se refere à possibilidade de empenho de tempo e dedicação aos atos de cuidado acima citados”, afirma.
A advogada observa que as licenças não mais são carregadas de concepções sexuais ou vistas como período de descanso ou recuperação – no caso das mulheres, de recuperação após o parto e gestação; e no caso de homens, um curto período para prestar apoio às mães. “Passa-se a compreender a licença a partir de um contexto em que todos os integrantes do núcleo familiar devem direcionar atenção a este período delicado da vida.”
“Portanto, independentemente do gênero ou orientação sexual dos responsáveis, devem estes desempenhar os atos necessários ao atendimento do melhor interesse da criança nesse momento inicial. Em última análise se trata de proteção às crianças, e não aos adultos envolvidos”, pontua.
Ao analisar a redação, acrescenta Ana, vislumbra-se essa compreensão em razão de ser estendida a licença prevista ao pai ou à mãe, genitores monoparentais, que recorram a técnicas de inseminação artificial, fertilização in vitro e/ou necessitem de barriga solidária ou de aluguel, desde que ausente a parturiente na composição familiar.
“Entretanto, a licença fica assegurada da seguinte forma: ‘apenas um(a) dos(as) companheiros(as) de casais homoafetivos terá direito à licença-maternidade, e o outro poderá se afastar do trabalho por prazo igual ao da licença-paternidade.’ Percebe-se, pois, uma intenção de tratamento isonômico com os casais heterossexuais”, comenta.
Monoparentalidade
Ana Carla Harmatiuk Matos esclarece que também são previstas condições especiais aos casais em união estável homoafetiva que utilizem técnicas de inseminação artificial, fertilização in vitro e/ou necessitem de barriga solidária ou de aluguel. “Para estes, é assegurado o direito de usufruir das licenças na medida em que um dos companheiros, ou uma das companheiras, de casais homoafetivos terá direito à licença-maternidade, ao passo em que o outro ou outra companheiro(a) poderá se afastar do trabalho por prazo igual ao da licença-paternidade.”
“Nota-se o grande escopo de responsáveis que podem ter concedidas as licenças referidas, de forma a não haver limitação ou determinação em relação ao gênero, buscando-se, portanto, efetivar uma proteção ao melhor interesse da criança mediante o tempo e empenho necessários aos seus cuidados em sua fase inicial da vida, semelhantemente aos direitos exercidos pelas famílias heteronormativas”, pondera.
Ainda segundo a advogada, as condições especiais de trabalho da resolução se aplicam às gestantes, lactantes (até os 24 meses de idade do lactente, às mães, pelo nascimento ou pela adoção de filho ou filha, por até 6 meses após o término da licença-maternidade ou da licença à (ao) adotante, bem como aos pais, pelo nascimento ou pela adoção de filho ou filha, por até 6 meses, após o término da licença-paternidade ou da licença(ao) adotante.
Direito das Famílias
Segundo a especialista, as diferentes entidades familiares, cujas composições são plurais, cada vez mais se fazem presentes no cotidiano brasileiro. Assim, o Direito das Famílias deve se atualizar para não apenas abrangê-las, mas proporcionar igualdade no reconhecimento.
A resolução, de acordo com a especialista, assegura aos responsáveis dos núcleos familiares, independentemente do gênero, o empenho do tempo e dedicação necessários aos cuidados e formação de vínculos.
“Outra recente e promissora novidade no Direito das Famílias também se originou de uma resolução: o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero (Resolução 492/2023), que há pouco tornou-se obrigatória pelos magistrados e magistradas, conforme a Recomendação 128/2022”, lembra a diretora nacional do IBDFAM.
Por Débora Anunciação
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